Sunday 7 June 2009

Apèndice de carta para a Rainha

Querida Rainha,



Quando cheguei no seu país, no seu reino unido, com um frio na barriga e em todo resto também, confesso que torci o nariz... Resolvi que ia escrever para você uma lista, reclamando de tudo o que não gostava.


Agora, mais de um ano e meio depois, confesso que continuo não gostando de muitas coisas, mas acho que você gostaria de saber que a lista mudou. Os pontos negativos diminuíram em quantidade, e acrescentei nela um apêndice de - pasmem! - elogios. Coisas que o tempo e a experiência me ensinaram a apreciar, e algumas até mesmo até ganharam um canto no meu coração de carioca.


E é sobre esse "quase-PS" embaixo de uma penca de reclamações indignadas que resolvi escrever aqui hoje:

  • A arquitetura. As casas de tijolos vermelhos e, como diria a minha mãe, a plantação de chaminés que se vê contra o céu cinza. É como se as ruas e os bairros se comprassem suas roupas na mesma loja, todos combinando. Nada destoa, tudo se completa numa paisagem que só existia antes para mim nos livros, filmes e na imaginação. Ninguém resolve de repente, por exemplo, que o legal é o moderno, ninguém passa a construir prédios coloridos, numa área de casinhas antigas. Procura-se, ao contrário, respeitar o que já existe antes, se manter um estilo que diz um pouco sobre quem se é. Me faz pensar como, até nisso, vocês valorizam o coletivo, o fazer parte de uma história, de uma cultura, de um país.

  • Os parques. Bem cuidados e espalhados pela cidade toda. São a praia do seu povo, o lugar em que eles se permitem ficar descalços e deitar no chão. O único defeito é a falta do barulhinho do mar.

  • Os, ou melhor dizendo, alguns, britânicos. Êta, povinho difícil de se gostar! Acho que é porque vocês não fazem a mínima questão de serem gostados. Alguns parecem estar todo dia num mau dia e outros fazem parte, definitivamente, da primeira parte da minha lista. Mas, justiça seja feita, você tem dentre seus súditos, pessoas realmente especiais, ou que pelo menos, se fizeram especiais para mim. São eles os garotos propaganda que eu escolhi para o marketing da Inglaterra no meu coração:
As velhinhas que lotam os ônibus vermelhos de manhã, com bengalas e óculos, estereótipos da gentileza e de uma elegância e dignidade tipicamente britânica.
As pessoas que pararam seus carros e ficaram comigo, uma estranha desnorteada e estrangeira, no dia em que passei mal na rua.
Vizinhos, mães de amiguinhos do Arthur e outros que se encaixam apenas na categoria dos "conhecidos", aqueles com os quais não tenho - nem me dão! - nenhuma intimidade, mas que ainda assim, são extremamente simpáticos, solícitos e educados, de um jeito que só os ingleses sabem ser.
Os cúmplices da espera diária do ônibus da manhã: sempre os mesmo 4 estranhos que encontro todos os dias por 5 minutos, e com os quais não troco mais do que 2 palavras, não mais que comentários ou, mais frequentemente, um simples arquear de sombrancelhas a respeito da demora do maldito ônibus. Rostos com vidas próprias e desconhecidas que, de alguma forma, se tornaram íntimos e queridos para mim.

Ps. Lendo esse tópico, vejo que faço realmente um esfôrço no sentido de gostar da sua gente. Quero muito gostar deles, tanto que construo fantasias e me contento com o "muito pouco" que oferecem.

  • Os ônibus vermelhos. Principalmente o meu amado e odiado 227 (que também não escapa da primeira parte da minha lista).


  • O The Guardian dos sábados de manhã. Como eu vou conseguir voltar a ler O GLOBO depois de me acostumar com a qualidade da imprensa inglesa? Oh Dear!


  • Por falar em imprensa, meus parabéns pela BBC! TV sem comerciais, com programas de excelente qualidade, que tem a coragem e a fineza de se auto-criticar quando necessário. As apresentadoras de telejornais zumbis e os empolgados homens do tempo a parte, é a melhor tv do mundo, sem dúvida nenhuma.


  • Por falar em BBC, o Apprentice (O Aprendiz daqui) tem que constar na minha lista. E não só o programa, que é um annual guilty pleasure of mine, mas também e principalmente quem dá graça a ele: Sir Alan Sugar. Eu nunca vi a versão Brasileira - e nem pretendo - , mas também, como poderia? Roberto Justus, você que me desculpe, mas "you don´t have a bloody clue, do you?".


  • A Pimavera, o verão, o outono e o inverno. É. Todos eles mesmo! É tão gostoso ver a passagem do tempo na paisagem, nas árvores que perdem as folhas no outono, morrem e renascem na primavera, numa explosão de vida e cores. Aprendi a valorizar o calor do sol, a nçao deixar um dia de céu azul passar em branco. Aqui, no seu país, é possivel ver e sentir o ciclo da vida e apreciar o que cada estação, seja ela de morte ou recomeçar, tem a oferecer.

  • A sua organização e eficiência. Vocês chegam a ser engraçados de tão civilizados. Aos meus olhos acostumados com o jeitinho e a bagunça brasileira, no começo vocês me irritavam com tanta polidez. Pensando bem, vocês ainda me irritam, mas agora sei que o lado bom da sua falta de espontaneidade é compensado por uma sociedade que funciona, que respeita o direito do próximo, que não fura fila e não rouba no troco. Vocês me mandam cartas perguntando se concordamos com a demolição de um prédio vizinho, outras prestando contas dos impostos pagos, vocês recliclam o meu lixo e dão uma educação de primeira qualidade para o meu filho. Vocès fazem tudo isso, e fazem bem.

  • a cultura, o respeito pelo passado. Parabéns pelos museus, pelo orgulho e propriedade com que vocès todos falam da sua história e pela eficiència com que preservam lugares, monumentos e tudo o que fala um pouco de vocès. E , como me sinto um pouco mais "em casa" por aqui, sinto também parte do seu orgulho de mostrar a cidade, tão bem sinalizada e cuidada, aos brasileiros que me visitam.

A lista provavelmente ainda vai mudar até o dia em que, daqui a não muito tempo, iremos embora. Mas saiba, vossa majestade, que sentirei saudades. De toda ela.


Kind Regards,

Barbara